quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Manual da Conselheira Iniciante




                Primeiro, gostaria de dizer que não é fácil passar adiante um cargo de tão longa data. Se fosse, não teria demorado cerca de vinte anos para fazê-lo. Feito este esclarecimento, acho de bom tom passar logo para as recomendações, pois tenho para mim que os motivos que me levaram a renunciar à tão cobiçada posição estarão bem claros ao final do texto.

                Creio que começar com algumas explicações seja a melhor coisa a se fazer. Pois bem, quando você é aquela que aconselha – ou quando fazem de você aquela que aconselha – você acredita que é boa nisso. Você até deseja que esse “dom” nunca se perca porque, afinal, o que seria de todas as outras pessoas do mundo sem a sua ajuda? E, por ajuda, subentende-se a total abnegação de sua vida pessoal. Subentende-se aceitar que todos os seus problemas serão sempre inferiores aos daqueles que te necessitam. Mesmo quando não forem, é sua obrigação fazer deles insignificantes porque, afinal, que raios de conselheira é essa que não tem uma vida nada menos do que perfeita? Nem preciso dizer que “em tempo integral” está mais do que subentendido, não é?

                Mas não se engane, nem tudo são flores. Oh, você não achou que o honroso título de Aquela que Escuta viria cair em suas mãos sem algum esforço, não é? Pois saiba, antes que seja tarde, que você almeja por uma relação unilateral. Você entenderá do que estou falando quando, em sua inocência de iniciante, se atrever a transferir a luz dos holofotes para seus próprios dilemas existenciais. A não ser que a sua triste história carregue um fundo moral consolador e que sua única intenção ao conta-la tenha sido trazer um pouco de alívio ao sofrimento de seu contratante, você a assistirá cair na zona da irrelevância. Se tiver sorte, e eu espero que você tenha, ainda poderá ouvir um singelo, porém sincero “Desculpe, nunca sei o que dizer em momentos como esse”.

                Outro pré-requisito para o cargo é a onipresença. Sim, minha cara, não serão raras as vezes em que você ouvirá referências a fatos e nomes que nunca chegaram ao seu conhecimento. Porém, não ouse não se lembrar do que o tal de Marcos fez naquele dia na boate, muito antes daquele tal de Fábio fazer aquela ligação polêmica, antes mesmo até do tal de Wellington ter dado aquela olhada descarada na tal da bunda da Júlia. Você não estava lá, mas sua interlocutora estava! E, no final das contas, não é isso – e apenas isso – o que importa?

                Não posso terminar meu manifesto sem fazer uma rápida explanação sobre artifícios de autodefesa.  Ou você achou que eu ia jogar tamanha responsabilidade sobre seus ombros sem deixar nenhuma dica de como se proteger? Pois abra bem os olhos, ouvidos e coração – e os mantenha nessa posição para o resto de sua vida ou enquanto o mandato durar -, pois meu conselho é um só: nunca, em hipótese alguma, confunda a sua assistida com sua melhor amiga. Tampouco se confunda com a melhor amiga dela. Se você quer amigos, está na profissão errada. Por isto, não se chateie quando aquela pessoa a quem você tanto ajudou sumir de sua vida, deixando a enorme lacuna daqueles relatos mirabolantes que você nunca saberá se realmente aconteceram. Outros virão ocupar o lugar vago no divã, pode ter certeza.

                Agora sim posso concluir o meu manual com a consciência tranquila. Afinal, diante de tantas “gratificâncias” e perspectiva de estabilidade, quem seria capaz de não agarrar, com unhas, dentes e ossos recobertos por músculos, tão única oportunidade?

                Toda a sorte do mundo é o que desejo para o bom samaritano que ocupar o meu lugar. Desejaria paciência se não soubesse que já a tem de sobra. Despeço-me agora e peço que perdoe essa ingênua que parte rumo à uma vidinha egoísta de quem tem toda uma existência para cuidar.


Beatriz

10 comentários:

  1. Bia, eu não sei dar conselhos. Acho que nem seu manual me ajuda. kkkkkkk
    eu sou péssima, meus conselhos são tipo: "prq cê num manda se foder?" kkkkkkkkkk é tipo isso.
    Mas me diverti muito com seu texto, kk
    bjs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Verdade. Eu ainda não abri mão do meu cargo, mas acho que estão me demitindo :/

    Beijo,
    santaironia

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  4. Nossa, adorei o texto!
    temos que assumir responsabilidade, mas com alguma dica de nos proteger, de saber o depois.

    @esteffanifontes, do blog Aos Dezesseis Anos
    aosdezesseisanos.blogspot.com.br

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  5. De acordo com as minhas previsões, esse comentário vai ficar grande pra caralho. primeiro de tudo, preciso agradecer pelo seu comentário lá no meu último post, Beatriz. Sério, suas palavras fizeram o meu dia. :)
    Segundo, preciso destacar a parte do seu post em que vc diz "Subentende-se aceitar que todos os seus problemas serão sempre inferiores aos daqueles que te necessitam." - isso é fato. Sei disso porque também faço parte da "profissão". A diferença, é que ao longo da minha vida eu topei com uma outra conselheira. E quando uma conselheira topa com outra, as opções são duas: forma-se uma competição, ou uma amizade. Sorte a minha, aconteceu a segunda opção. Portanto, de vez em quando, eu tenho sim para quem desabafar meus problemas. Mas preciso frisar que isso não diminui o peso de ser a conselheira. Os meus problemas ainda são, na maior parte do tempo, caídos na zona da irrelevância. Por isso, gostei tanto do seu texto. Por isso simpatizei tanto com suas palavras. E sabe, seus textos tem um jeito cheio de um humor leve que eu tanto admiro, e gostaria que estivesse presente nos meus. Mais uma vez, nota 10 para o que vc escreveu!

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  6. Amei o texto!!
    Eu nunca me achei muito boa para aconselhar, mas não sei porque, as pessoas sempre me pedem por eles!!
    Mas eu tento não dar opiniões conclusivas em assuntos delicados e só me manifestar quando é realmente necessário, haha :)

    http://4demarco.blogspot.com.br

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  7. oi dnv!

    @esteffanifontes, do blog Aos Dezesseis Anos
    aosdezesseisanos.blogspot.com.br

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  8. Por isso você me ama, eu nunca te peço conselho, você nunca me pede conselho, vivemos numa eterna relação de comentários sem sentido e sarcasmo puro RUM

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  9. Bom dia,Gostei da maneira como apresenta seu trabalho.
    Um abraço
    Sinval

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  10. Obrigada por tudo, pessoal! Poxa, eu queria saber como ativar aquela opção "responder comentários", mas não consigo ):

    Pelo que li aqui em cima, vcs são conselheiras muito melhores do que eu! Bem mais práticas, pelo menos ASHUASHU

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