domingo, 10 de março de 2013

Tudo começava e acabava com a porta que dava para o jardim



estou participando do 30 Writing Day Challenge {no próximo post explico como é} e o primeiro desafio é descrever um lugar, espero que gostem!
 
Tudo começava e acabava com a porta que dava para o jardim

         Tudo começava com a porta que dava para o quintal, porque o resto não importava. Em vez de quintal, chamava de jardim, porque achava mais bonito e era em jardins que as crianças daqueles filmes brincavam. Tão bonitas e felizes, aquelas crianças! Apesar de ainda fazer parte da casa, a porta que dava para o jardim também importava, por causa daqueles barquinhos. Era uma porta de correr, pesada, que só depois de algum tempo ela se tornara capaz de abrir sozinha, não sem algum esforço. Dentro dos contornos de metal preto, estavam aqueles quadrados que, apesar de transparentes, não tinha certeza se eram de vidro, já que nunca os tinha visto quebrar, ao contrário das outras coisas de vidro – ou tão frágeis quanto – que existiam na casa. E eram naqueles pedacinhos de material transparente, alternadamente, que existiam os barquinhos. Talvez nunca tivesse parado para pensar como é que eles foram parar ali, mas gostava de passar o dedo sobre eles, pois eram ásperos, além de azuis. Ao passar para o lado de fora, ainda tinha um pedaço de teto sobre a sua cabeça e uma pequena extensão de azulejos sob seus pés. Gostava daquele pedacinho de casa que se projetava para fora, porque sem ele não haveria os pilares onde penduravam a rede. A rede era velha, com cheiro de mofo e, quando chovia, continuava úmida por dias, mas gostava dela. Era legal balançar e balançar até ficar zonza e o mundo inteiro começar a balançar junto, mesmo que seus pés já estivessem firmes no chão. Tudo, porém, não passava de uma introdução ao que realmente importava: o jardim. 

         No lugar das flores que pareciam tão coloridas até mesmo nos filmes amarelados, havia aqueles matinhos que deixavam carrapichos na roupa e cresciam demais onde era mais difícil de arrancar, geralmente perto do muro. Entretanto, nunca deixava de enterrar pedrinhas e outras coisas pequenas e redondas que encontrava, na esperança de ver o seu jardim todo florido algum dia, no caso de alguma daquelas coisinhas ser uma semente disfarçada (muitos anos depois, chegaria à conclusão de que a mãe talvez tivesse desejos parecidos quando sonhou a casa). Aqui e ali, afundados no chão terroso, havia pedaços de tijolo, blocos de cimento, fragmentos de azulejo e tudo o mais que pudesse ser usado para formar o que ela gostava de chamar de passarela. Pé ante pé, tomando todo o cuidado para não sujar as sandálias de plástico, – como se não fosse andar por toda a extensão de terra vermelha logo em seguida – atravessava a passarela em direção ao amontoado de placas de madeira que ficava bem no meio do jardim. Amontoado de madeira, não, casinha. Desde que ouviu a tia reclamando que aquele monte de entulho era abrigo de escorpião, tornara-se cautelosa, nunca deixando de conferir os cantos e frestas de tempos em tempos. Pelo menos ninguém nunca havia dito nada sobre monstros ou fantasmas que, para falar a verdade, sempre tinha imaginado como criaturas engraçadas e boazinhas. 

         Seu lugar preferido, a despeito da posição de honra que ocupava na escala de sua afeição, era o último a ser visitado. Ficava a sete passos e meio da casinha – e sabia disto porque já tinha se dado o trabalho de contar -, mas fazia questão de percorrer todo e cada pedacinho do jardim antes de se dirigir a ele. Gostava de imaginar, enquanto zigezagueava pelo chão de terra, sentindo as pedrinhas de granito rangendo embaixo dos pés, que só quem se aventurasse por aquela trilha mágica e sinuosa, seria digno de ser premiado com o destino final. Sorte que ela era a única que conhecia o caminho. Até que, finalmente, o banco de praça. Eram alguns pedaços de tronco de árvore meio apodrecidos que também eram o banco de praça. Às vezes, sentava-se ali e fingia esperar um amigo, imaginando os tipos de conversas animadas e brincadeiras divertidas que teriam assim que ele chegasse, até que se lembrava de que era a única com astúcia suficiente para chegar até ali. Então, e só então, se permitia a maior de suas alegrias. Deitada ali, no banco que era gelado por causa do metal frio e da madeira molhada, observava o céu. Aquele céu que, se não era o mesmo que as crianças dos filmes viam, era um tão maravilhoso quanto. Por quanto tempo quisesse, ou era assim que se permitia sentir, ficaria ali, com o céu e apenas ele, à sua frente. Por vezes, se via obrigada a estreitar os olhos por causa do sol, mas o incômodo era irrelevante perto da sensação de estar mergulhada naquele azul que era o mesmo azul que todas as pessoas tinham acima de suas cabeças. E assim ficaria para todo o sempre, mesmo que o todo o sempre terminasse quando ouvia o carro do pai estacionar, do outro lado dos muros que já não podia enxergar daquela posição. 

         - Vem já pra dentro que vai chover!

         Não precisava mover um músculo sequer para saber que não ia. 

         - E vem logo que já é hora de dormir! 

         Não era, também. Mesmo assim, muniu-se de toda coragem para sair do refúgio. Pegou um atalho, porque não havia tempo de percorrer a trilha sinuosa de volta. Não sem algum esforço, abriu a porta dos barquinhos e deixou o jardim para trás. Não ligava para o que viesse a acontecer dali para frente, porque tudo acabava com a porta que dava para o quintal. E o resto não importava.

8 comentários:

  1. Muito lindo o texto, você descreveu muito bem <3

    Beijinhos,
    Lia ¨
    www.limaoealecrim.blogspot.com

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  2. Responda AQUI esse comentário, que coisa!11 de março de 2013 às 19:15

    Nem lerei isso ae. Texto descritivo é simples de fazer e um inferno pra ler.

    E pare de ser vidaloka nas ruas, menina!

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  3. Lindo texto! Muito bem escrito. Me fez lembrar da minha infância que foi quase que a mesma coisa que suas palavras descreveram.
    Parabéns!
    Beijos.

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  4. Obrigada, Aurora! Que bom q vc se identificou, fiquei feliz!

    Andy! Pare de ser preguiçoso, garoto! ò.ó E eu não estava sendo v1d4 l0k4, eu tava consertando a burrada dos vida loka, q injustiça!

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  5. Oi xará!
    Que lindo seu texto, parabéns! (:
    Beijos!
    http://pandainvertido.wordpress.com/

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  6. Nossa gostei do texto, super bem escrito e até viajei um pouco. kkkk
    Parabens
    beijos
    passarelabr.com

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Oi, queridos! Aqui é seu espaço, podem colocar os pés no sofá.