“Matemática é
idiota.” Foi o que um garoto da minha sala falou uma vez. “Matemática é idiota.”
Simples assim, medíocre assim. Na época eu já conhecia a palavra “medíocre” e
era uma de minhas preferidas, apesar de eu pensar que ela significava uma coisa
que não era exatamente o que ela significava. Eu pensava que várias coisas
tinham um significado diferente do que elas realmente tinham. E é isso, e
somente isso, que me permite olhar para trás
com certa felicidade. Eu gosto de assistir a essas memórias como se elas
passassem em um país estrangeiro, narradas em outra língua. Existem diversas
realidades, infinitas. Eu e você vivemos em um segmento de realidade nesse
momento, distintas entre si, não compartilhadas. Há um segundo ou dois anos,
nunca se sabe ao certo em que ponto se dá a seção, era outro o contexto
histórico em que te submergiam e eram ainda outros os eventos que se
sobrepunham para formar o meu zeitgeist.
Pode ser que daqui alguns anos eu assista a essas memórias pensando que talvez
eu ainda não tivesse entendido o conceito de “zeitgeist” perfeitamente. Mas é somente lá, naquele ponto da
história, de uma das histórias, em que eu concluo que não entendi direito o “zeitgeist”, é que serei capaz de
compreender em que ponto da realidade eu me situo neste momento presente. Só
então eu entenderei quem foram, de fato, meus companheiros de jornada ou, em
outras palavras, se você estava realmente lá. Algumas coisas só se tornam compreensívels
para nós quando vistas à distância e, nesse caso, é em unidade de tempo que se
faz a contagem. Pois bem. Agora sou capaz de olhar para aquele dia e perceber o
quão influente seria aquela pedra que decidi jogar em todos os eventos que se
sucederam.
”Você é idiota.”
Joguei a pedra. O lago, que agora sabemos ser um lago, limitado pelas margens
do tempo fragmentado, se revoltou. A água, antes parada e translúcida, fluiu em
ondas multidirecionadas, não tão aleatoriamente quanto se pode supor, atingindo
em cheio o despreparo dos envolvidos. É engraçado como às vezes, quando ainda
estamos presos ao momento presente, conseguimos olhar para a cena com “olhos de
fora”. As pessoas tem um jeito engraçado de agir automaticamente quando
confrontadas com o inesperado, como se fossem uma grande massa. Ele, o garoto
que eu não lembro o nome, primeiro trocou com os outros um olhar de grande massa.
Depois olhou para mim e falou “Não tô
falando com você.” Uma parte de mim entendeu perfeitamente, mas a outra, a
parte que gosta de escolher os pedacinhos do quebra-cabeça, resolveu que aquilo
não fazia o menor sentido. “Tá sim.
Está. Tá falando.” A parte de mim que
gosta de assinar as obras no final. A parte que percebeu que o olhar na cara do
menino era engraçado e estúpido. “Nossa, cala a boca.”, foi o que ele
respondeu. E então eu ri, ri de prazer. Eu tenho essa habilidade, a de escolher
as pecinhas, como eu falei. Eu nunca escolho me frustrar, pois eu posso optar pela confirmação das minhas
suspeitas e o prazer que isso agrega. É por isso que eu sorrio agora, quando lembro
que foi naquele momento que percebi meu companheiro de jornada pela primeira
vez e fiz minha aposta. E eu estava certa.
Renato era o único
com um olhar emburrado na cara. O meu próprio olhar, como um farol dentro de um
quarto cheio de olhos cegos, caiu sobre ele. A realidade que nós
compartilhávamos naquele momento se tornou tão evidente que eu tenho certeza
que ele também percebeu. Ele sentiu que podíamos perceber um ao outro porque
éramos os únicos naquele pedaço do caminho, eu tenho certeza. Ninguém estava
mais prestando atenção e, mais do que em uma simples coincidência, nossos
pensamentos estavam no mesmo lugar quando percebemos um ao outro. E eu vi isso
naquele momento, com os “olhos de fora” da minha mente. Na língua que eu usava
na minha lembrança, expliquei a mim mesma que quando a gente não entende o
porquê de uma impressão é porque são os olhos da mente falando conosco. Só que os
nossos ouvidos não fazem leitura e ouvir não é o bastante. Então, naquele dia,
eu virei as costas para a lousa da sala de aula porque senti a presença do meu
companheiro de jornada. Fiquei curiosa. E foi tão estúpida a maneira como ele
me olhou, primeiro desviando os olhos e depois encarando de volta, já com a
expressão limpa, que eu ri. Ri de prazer.
Bia, sua sensibilidade é incrível.
ResponderExcluirEstou de cara (gíria 2012).
Curiosa para o próximo capítulo!
Ps. Eu posso SEGUIR o seu blog!!!!!!