sábado, 7 de janeiro de 2017

Sorte

      Às vezes é assim que eu lido com as coisas. Eu imagino que a dor não é minha. A dor pode pertencer a mim, mas quem sou eu que não toda a humanidade? Individualmente, a dor pertence ao ser humano que sou, mas enquanto ser humano não posso ser menos do que o ser humano enquanto espécie. Quero dizer, minha dor individual e banal nada significa perante a minha existência enquanto cada alma que já passou por este planeta. "Eu" não me restrinjo à pessoa que sou, mas a tudo o que posso ser ou poderia ter sido. É questão de sorte ou acaso que "Beatriz" não seja o nome da minha vizinha. Eu poderia ter sido qualquer outra pessoa com tanta certeza quanto sou a mim mesma. Se "ser" é um verbo, então não é natural que possa ser qualquer outro? Sendo a todos ao mesmo tempo, minhas dores tornam-se inexistentes no momento em que se tornam desconhecidas. Não era de se esperar, então, que a dor de todos os outros "eu" aflorassem em conjunto, engrossando o sofrimento? Creio que não, pois a dor só é compreensível quando sentida individualmente, restringindo-se ao contexto daquele produto de histórico pessoal. Quando você é todos os outros, a dor existe, mas não pode ser sentida, por mais que se tome consciência dela mais do que nunca. Você toma consciência de uma dor gigantesca, holística, mas se torna imediatamente incapaz de senti-la. Ou melhor, você sente sim. Mas "sentir" ganha um novo significado. Tudo ganha um novo significado. Eu poderia dizer que o que era "sofrer" torna-se "prazer", mas até esses dois conceitos tem seus significados reinventados. Não é "diferente". É o mesmo que você sempre sentiu, só que em proporções nunca antes imaginadas. E é assim, imaginando o que não pode ser imaginado que eu lido com as coisas.

 (Não sei ao certo quando escrevi esse texto, mas o encontrei perdido em uma agenda velha. Achei digno de registro)

(A despeito do último post, queria fazer um adendo. 2016 foi uma "eterna férias" que durou 6 meses. O segundo semestre de 2016 foi uma verdadeira loucura. E acabou tudo bem, talvez da melhor forma possível. Começo 2017 bem feliz!)

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