domingo, 11 de janeiro de 2015

Fuçando coisas velhas, e o blog é uma delas - Pt. 2

Talvez este post não tenha tanta graça para quem não me conhece, ou mesmo para quem não conhece minha família, mas talvez não exista lugar mais apropriado, no momento, para postar essas fotos e falar sobre elas. 

Ao contrário do último post e dos outros posts que eu fiz falando sobre nostalgia e infância, eu não apareço em nenhuma destas fotos. Até porque elas foram tiradas muito antes de eu nascer. 

Isso é uma coisa que eu acho incrível, sabe? Como a história já existia antes da gente nascer. Eu sei que é óbvio, mas tenho uma sensação estranha ao pensar que quando eu nasci, e quando todas as pessoas nasceram, fomos inseridos tão naturalmente em algo que sempre esteve ali. 

Pensar em tudo o que vivi, principalmente em uma época em que ainda não tinha muita capacidade para refletir sobre o que estava vivendo, é uma atividade que me consome um tempo considerável. Quero dizer, apesar de eu mesma ter vivido tudo aquilo, e muitas vezes ter sido a única a presenciar determinado acontecimento, nem sempre é fácil me lembrar de tudo ou mesmo ter a certeza de que aquela lembrança é confiável. Mais difícil do que isso, entretanto (ou seria portanto?), é tentar me lembrar do que aconteceu antes mesmo de eu existir. Ou é assim que eu me sinto quando tento entender ao menos uma ínfima parte da complicada trama em que fui inserida muito antes de abrir os olhos pela primeira vez. 

Eu tenho esse priminho, o Daniel. Ele tem 5 anos. Mesmo depois de 5 anos vivendo como um ser humano, andando por aí e pensando sobre tudo, ele não faz a mínima ideia a respeito do que significa a vinda dele ao mundo. Será que ele sabe, por exemplo, que a mãe dele estava do outro lado do mundo quando ficou grávida dele? Isso pode não ter a menor importância, no final das contas, mas é parte da história de quem ele é. Talvez ele não saiba que a prima adolescente que hoje cuida dele um dia também foi criança e foi cuidada por outra prima que hoje é adulta. E que essa prima adulta também já foi criança e um dia foi cuidada por outra prima, que hoje é a própria mãe dele (Eu contei isso a ele na nossa última ida ao clube, na verdade. Enquanto esguichava água com as mãos para perturbá-lo, falei "Sabe quem me ensinou a fazer isso? Sua mãe. Quando ela tinha a minha idade e eu tinha a sua idade e ela me trouxe para nadar aqui." Ele ficou um bom tempo tentando aprender o truque). 

O que eu quero dizer ou entender com isso ainda está além da minha compreensão. Acho melhor falar sobre as fotos agora. 

Esse de chapéu é meu tio Tonico. Na verdade ele é irmão da minha avó, logo, meu tio-avô, mas sempre o chamei de "tio Tonico" (e de "tio surucucu", por um breve período). As crianças ao redor dele são seus filhos, primos da minha mãe e meus também. Com exceção do garotinho sentado no Fusca, a quem me refiro como "irmão", considero a todos meus primos próximos, apesar de serem de segundo grau. 

 Esse não é o mesmo Fusca da foto anterior (minha família tem um loongo histórico de proprietários de Fuscas), mas a senhorinha é a mesma. Essa é a minha bisavó, Tama, de quem herdei o nome e a quem me refiro, abrasileiradamente, como "baachanzinha".

Aqui, a minha baachanzinha, um pouco mais velha. Ela morreu com 108 anos quando eu tinha cerca de 9. Ela veio para o Brasil no primeiro ano da imigração japonesa, no que dizem ter sido o primeiro navio. Ao lado dela, uma de suas filhas e também minha tia-avó, Catarina. Eu devia fazer um post sobre a Catarina (é assim como todos a conhecem, "Catarina", sem nenhum vocativo de parentesco). 

Não sei se na sua família tem algo do tipo, mas eu gosto de imaginar que toda família tem aquela pessoa que marcou presença, mesmo que indiretamente, em todas as gerações. Na minha, essa pessoa é a Catarina. Há algumas variações da história, mas a versão mais aceita é que a Catarina era uma criança "normal" até seus primeiros anos de vida. Com cerca de dois ou três anos, ela foi acometida por uma enfermidade cujas complicações a deixaram surda, muda e com déficit mental. Como você pode imaginar, as condições em que minha família vivia nessa época eram bastante precárias, mas nem depois de muitos anos a Catarina chegou a receber algum diagnóstico. O que todos sabiam, entretanto, é que ela era uma pessoa relativamente independente (era capaz de sanar suas necessidades básicas e até fazer algumas atividades como limpar, desenhar e jogar jogos simples de cartas) que conseguia se comunicar à sua maneira e tinha um temperamento imprevisível, apesar de sorrir a maior parte do tempo. 

Uma das coisas mais interessantes a respeito dela eram os desenhos que ela fazia. Ela passava a maior parte do tempo desenhando. Eram desenhos aparentemente simples, não muito diferentes dos feitos pelas crianças, retratando casinhas e paisagens rurais. Mas, ao observá-los com atenção, a maioria das pessoas conseguia encontrar algo que as deixassem surpresas. "Espera, isso aqui no céu é um planeta? Com anéis e tudo? Ela não tinha televisão e não entende o rádio, como ela sabe da existência dos planetas?". "Por que o céu tem dois sóis nesse daqui?". "Ei, isso é uma vista aérea! Ela nunca andou de avião, como ela sabe como o sítio fica visto de cima??". "Você já reparou que ela sabia retratar perfeitamente a profundidade dos cenários?". "Ela desenhou uma casa aqui, mas com uma das paredes faltando para conseguirmos ver o interior." Um dia ela simplesmente parou de desenhar, sem motivo algum, e nunca mais voltou. Talvez um dia faça um post com os desenhos dela (eu ainda os tenho aqui em casa!).

Voando um pouco no tempo, chegamos a essa foto de um ano novo comemorado aqui em casa há muitos anos. Minha casa, que antes de ser "minha casa" era a casa da minha baa-chan e seus filhos, era o point da família. Todos moravam perto e a maioria das reuniões da família eram feitas aqui em casa, por isso tenho tantas fotos e registros de todo esse pessoal que mal conheço.

Aqui, para facilitar. 

A "mãe" agachada e com vestido amarelo é minha primeira mãe, Mitsue, ou mãe biológica, como preferirem. Até hoje, nas reuniões de família, as pessoas gostam de me contar que ela era uma pessoa bastante alegre e espontânea. Dia desses uma prima que não vejo com tanta frequência estava me contando que minha mãe tinha uma imagem de Sócrates e outra de Che Guevara grudadas na parede do quarto. Veja só, eu, do alto de meus 22 anos, não fazia ideia que minha mãe se interessava por filosofia ou ideais revolucionários! É sobre esse tipo de coisa que eu estava falando no início do post. 

A "mãe" de branco e óculos é minha tia, que hoje considero mãe, Satico. Ela passou a cuidar de mim, junto com minha baa-chan, depois que minha mãe morreu, lá pelos meus quatro anos. Acho que está para nascer duas irmãs tão diferentes quanto essas duas foram.

À esquerda está o meu tio e padrinho, Haruo. O filho dele viria a ser o "primo que me pageava" na infância, mas no dia em que essa foto foi tirada isso ainda estava um pouco longe de acontecer.

E, finalmente, a mãe de todos eles, minha baa-chan Teresa. Por algum motivo, eu me acho bastante parecida com ela fisicamente. Creio que eu seja um meio termo entre ela e minha mãe. Ela é outra pessoa que devia ter um post só dela para que eu pudesse falar tudo que sei a respeito, mas esse é o caso de todas as pessoas que eu citei até agora, para falar a verdade.

Tudo o que eu sei a respeito dessas reuniões de família que aconteciam aqui em casa, entretanto, são duas coisas: 1. eles sempre tiravam muitas fotos com toda a família reunida e 2. essas reuniões pararam de acontecer depois que minha mãe morreu. 

De uns anos para cá estamos tentando reviver a tradição de fazer a comemoração de ano novo aqui em casa, mas ninguém nunca mais lembrou de tirar a foto da família. Esse ano prometi para mim mesma que eu é que vou lembrar. 

 Esses três garotinhos são os mesmos irmãos que aparecem na outra foto (mais a garotinha sentada no colo da mãe). Eles são primos da minha mãe por parte de pai. Hoje em dia estão todos adultos, alguns casados e com filhos, e só nos vemos nas reuniões de ano novo mesmo. 
(Essa foto representa muito bem a diferença de personalidades entre minhas mães, inclusive).

Nesta aqui, os filhos da minha baa-chan. Só está faltando um outro tio que nessa época já morava em outra cidade. As histórias da infância deles são particularmente engraçadas.

Nessa época, o quintal da minha casa ainda era ocupado por uma grande horta. Essas garotinhos na frente da minha baa-chan e mãe são os meus primos de segundo grau, filhos do tio Tonico que aparece na segunda foto do post. O menor deles é o Ricardo, que eu considero meu irmão, pois foi criado pela minha baa-chan e minhas mães, assim como eu.

 É engraçado olhar para esta foto dele com a minha mãe (tia), pois eu mesma tenho algumas fotos com ela praticamente idênticas a essa.

 Mais uma do Ricardo, também conhecido como "Gordo". Hoje ele tem 36 anos. 

Essa é um pouco mais recente. Lembra do meu tio/padrinho das outras fotos? Esse é o filhinho dele, Octaviano, que dali uns sete anos teria que aguentar a Beatriz-kid em sua casa todos os finais de semana, com o único propósito de encher o saco e jogar video-game, pelo resto de sua vida (ou até ele resolver cursar uma faculdade em outra cidade). 

Depois ele operou as orelhas e passou a ser a crush de todas as minhas amiguinhas pré-adolescentes. Ele vai fazer 30 esse ano. (Eu sempre lembro dele como o moleque de 15 anos que jogava vídeo-game comigo, por isso confesso que fiquei chocada quando parei para fazer as contas!).

Essa é a foto do início do post. À esquerda, minha baachanzinha Tama e sua filha Teresa, minha baa-chan. Eu adoro essa foto. As lembranças mais remotas da minha vida retratam essas duas cuidando de mim, então é muito interessante perceber que, antes de mim, elas já cuidaram de muitos outros bebês. Inclusive os delas próprias.

Acho que vou fechar o post com essa daqui. Parece nada de mais, mas eu gosto dessa foto por algum motivo. Essa lancheira rosa retrata um dos primeiros vestígios da criança que eu fui na casa da baa-chan. Meio destoante de todo o resto, assim como foi a minha presença nessa casa antiga de senhorinhas idosas.

Eu fico pensando. Nascer parece tão natural. Nós sequer temos capacidade de pensar quando nascemos, o que dirá de pensar em como nosso nascimento afeta as vidas de todas as pessoas que já estavam ali para nos receber. A rotina e todo o resto mudam drasticamente, mas para nós é natural e intuitivo nos aconchegarmos naquele espacinho que abriram para a gente bem no meio da história do mundo. E, quando crescemos, já estamos acostumados com a ideia de existir. Aquelas pessoas, as novas e as velhas, com toda a sua história que tão pouco conhecemos, simplesmente já fazem parte de todo o resto. Acho que é por isso que essas fotos velhas me causam tanta fascinação. Elas são um lembrete de que eu nem sempre existi. E de que existir não é uma coisa qualquer e individual. Existem todas essas frases soltas que formam uma história no final. Ninguém prevê a história se formando e ninguém é capaz de contá-la por inteiro. Mas ela está ali. É impossível negar, pois somos parte dela, somos seus personagens. Ou deveria dizer que somos os escritores?

Talvez eu deva conversar mais com o Daniel da próxima vez que encontrá-lo.

Um comentário:

  1. "A "mãe" de branco e óculos é minha tia, que hoje considero mãe, Satico"

    Di-va, sem mais!

    Ok, com mais, hm. Nem terminei de ler o post, estou começando a ficar com sono. Só precisava registrar isso mesmo. Quero ler com calma, porque tá interessante, e eu adoro essas coisas.

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