domingo, 6 de dezembro de 2015

PARTE II



II
PARADA, CHOCOLATE, DÉBITO


            Fazia tempo que André não descia em uma parada de ônibus no Graal. No trajeto da Campinas para Lins não havia esse tipo de parada, que lembrava a ele de suas viagens a contra gosto até Aparecida do Norte para acompanhar a avó e das excursões do colégio. Na realidade não fazia tanto tempo assim, só faziam dois anos desde que concluíra o ensino médio e um ano desde que ingressara na UNICAMP. Mas a impressão era a de que ele havia feito aquelas viagens em uma outra vida. Enquanto escolhia na prateleira dos doces um daqueles chocolates que não costumava encontrar em sua cidade interiorana, um pensamento ainda mais estranho lhe ocorreu. Não era engraçado pensar na quantidade de pessoas que passavam por aquele lugar todos os dias, indo e vindo de destinos completamente diferentes? Era esquisito pensar que um lugar físico, tão atrelado às suas próprias memórias, pudesse comportar lembranças de pessoas e contextos tão diferentes. Como se, de alguma forma, aquela construção contivesse uma amostra do universo particular de cada pessoa que já passou por ali. O que André achou mais estranho, entretanto, foi perceber que aquele era o tipo de pensamento que a Bia teria. Bia era sua melhor amiga, ou o equivalente a isso no ambiente virtual. Era por causa dela que tinha entrado nessa empreitada. Por causa dela, não, por culpa dela. Quando se conheceram havia quatro anos, em uma comunidade de fanfics do Orkut, André não imaginava que dali nasceria uma amizade real. Ou o que se podia chamar de real no âmbito virtual, claro. Ele também não sabia o que estava fazendo em uma comunidade de escritores sendo que seu principal interesse acadêmico sempre havia sido as ciências exatas, mas isso era assunto para outro momento. Para falar a verdade, desde o começo ele achara essa garota um tanto esquisita, mas não podia negar que suas conversas sempre o haviam entretido. André nunca havia sido alguém lá muito cheio de amizades. E foi através dela que ele conheceu seus dois outros “amigos”. Só que agora Bia estava deprimida e precisava de sua ajuda. André não sabia com certeza se ter aceitado participar daquilo fora a melhor solução, mas ele meio que se sentia em débito. Ele também não conseguia precisar qual foi exatamente o argumento que o convencera, só sabia que havia feito sentido em sua cabeça a ponto de empacotar as malas. Depois de tantos anos, parecia que pensar como ela estava se tornando algo natural. 

Um comentário:

  1. "Não era engraçado pensar na quantidade de pessoas que passavam por aquele lugar todos os dias, indo e vindo de destinos completamente diferentes? Era esquisito pensar que um lugar físico, tão atrelado às suas próprias memórias, pudesse comportar lembranças de pessoas e contextos tão diferentes. Como se, de alguma forma, aquela construção contivesse uma amostra do universo particular de cada pessoa que já passou por ali. O que André achou mais estranho, entretanto, foi perceber que aquele era o tipo de pensamento que a Bia teria" ahaha, amei! O que eu mais gosto quando visito lugares novos é, definitivamente, saber que muitas outras pessoas passaram por lá - e que, apesar de tão distantes de mim, tão desconhecidas, em algum aspecto estivemos tão próximas! <3

    "Bia era sua melhor amiga, ou o equivalente a isso no ambiente virtual" Eu adoro como algumas amizades verdadeiras nascem da internet, e ainda mais como florescem mesmo a distancia!

    "Para falar a verdade, desde o começo ele achara essa garota um tanto esquisita, mas não podia negar que suas conversas sempre o haviam entretido" UAHSUAHSUAHSUAHS Observamos nesse trecho um perfeito equilibrio entre o lado leonino e o lado canceriano de Beatriz Araki

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