II
PARADA,
CHOCOLATE, DÉBITO
Fazia tempo que André não descia em
uma parada de ônibus no Graal. No
trajeto da Campinas para Lins não havia esse tipo de parada, que lembrava a ele
de suas viagens a contra gosto até Aparecida do Norte para acompanhar a avó e das
excursões do colégio. Na realidade não fazia tanto tempo assim, só faziam dois
anos desde que concluíra o ensino médio e um ano desde que ingressara na
UNICAMP. Mas a impressão era a de que ele havia feito aquelas viagens em uma
outra vida. Enquanto escolhia na prateleira dos doces um daqueles chocolates
que não costumava encontrar em sua cidade interiorana, um pensamento ainda mais
estranho lhe ocorreu. Não era engraçado pensar na quantidade de pessoas que
passavam por aquele lugar todos os dias, indo e vindo de destinos completamente
diferentes? Era esquisito pensar que um lugar físico, tão atrelado às suas
próprias memórias, pudesse comportar lembranças de pessoas e contextos tão
diferentes. Como se, de alguma forma, aquela construção contivesse uma amostra
do universo particular de cada pessoa que já passou por ali. O que André achou mais
estranho, entretanto, foi perceber que aquele era o tipo de pensamento que a
Bia teria. Bia era sua melhor amiga, ou o equivalente a isso no ambiente
virtual. Era por causa dela que tinha entrado nessa empreitada. Por causa dela,
não, por culpa dela. Quando se
conheceram havia quatro anos, em uma comunidade de fanfics do Orkut, André
não imaginava que dali nasceria uma amizade real. Ou o que se podia chamar de
real no âmbito virtual, claro. Ele também não sabia o que estava fazendo em uma
comunidade de escritores sendo que seu principal interesse acadêmico sempre
havia sido as ciências exatas, mas isso era assunto para outro momento. Para
falar a verdade, desde o começo ele achara essa garota um tanto esquisita, mas
não podia negar que suas conversas sempre o haviam entretido. André nunca havia
sido alguém lá muito cheio de amizades. E foi através dela que ele conheceu
seus dois outros “amigos”. Só que agora Bia estava deprimida e precisava de sua
ajuda. André não sabia com certeza se ter aceitado participar daquilo fora a
melhor solução, mas ele meio que se sentia em débito. Ele também não conseguia
precisar qual foi exatamente o argumento que o convencera, só sabia que havia
feito sentido em sua cabeça a ponto de empacotar as malas. Depois de tantos
anos, parecia que pensar como ela estava se tornando algo natural.
"Não era engraçado pensar na quantidade de pessoas que passavam por aquele lugar todos os dias, indo e vindo de destinos completamente diferentes? Era esquisito pensar que um lugar físico, tão atrelado às suas próprias memórias, pudesse comportar lembranças de pessoas e contextos tão diferentes. Como se, de alguma forma, aquela construção contivesse uma amostra do universo particular de cada pessoa que já passou por ali. O que André achou mais estranho, entretanto, foi perceber que aquele era o tipo de pensamento que a Bia teria" ahaha, amei! O que eu mais gosto quando visito lugares novos é, definitivamente, saber que muitas outras pessoas passaram por lá - e que, apesar de tão distantes de mim, tão desconhecidas, em algum aspecto estivemos tão próximas! <3
ResponderExcluir"Bia era sua melhor amiga, ou o equivalente a isso no ambiente virtual" Eu adoro como algumas amizades verdadeiras nascem da internet, e ainda mais como florescem mesmo a distancia!
"Para falar a verdade, desde o começo ele achara essa garota um tanto esquisita, mas não podia negar que suas conversas sempre o haviam entretido" UAHSUAHSUAHSUAHS Observamos nesse trecho um perfeito equilibrio entre o lado leonino e o lado canceriano de Beatriz Araki