III
RODOVIÁRIA,
CELULAR, URSO POLAR
Olhando pela janela enquanto o
ônibus manobrava na última parada, André não soube dizer se reconhecia ou não
seus amigos no meio da multidão, coisa que interpretou como um mau sinal.
Conseguiu distinguir um rapaz oriental, mas isso não queria dizer muita coisa, uma
vez que asiáticos são todos parecidos. Ao descer na rodoviária com malas em
mãos, entretanto, não teve dúvidas. Aquele era mesmo Klayton, junto com Beatriz
e Débora. E nenhum deles estava olhando em sua direção. Bia parecia tê-los
convencido de que o ônibus viria do lado oposto da rodoviária. Ótimo. André
tirou o celular do bolso, pois preferia esperar do que passar pelo
constrangimento de ter que se introduzir. Talvez eles nunca o reconhecessem, já
que era o único dos quatro que não tinha o hábito de postar fotos nas redes
sociais. Talvez pudesse montar no próximo ônibus de volta e se justificar mais
tarde em uma conversa pelo Skype. Talvez,
oh, talvez eles já estivessem vindo em sua direção.
–
É ele? – conseguiu ler nos lábios de Débora. – E se não for?
– É ele sim! Olha o celular, LG novo
preto. – conseguiu ouvir Bia dizendo.
Para seu consolo, os outros dois
pareceram tão chocados quanto ele por essa observação. Feliz ou infelizmente, a
angústia da espera não se prolongou por toda a distância que os separavam.
– ANDY! – Bia gritou. – Ei!
É claro que André sabia que, mais
cedo ou mais tarde, seu apelido virtual viria à tona da forma mais
constragedora possível. Pelo menos Klayton parecia um pouco constrangido
também. Ou talvez não, ele era japonês, não dava para saber o que de fato
estava sentindo.
– Eu esperava que você tivesse o
mínimo de bom senso de não dizer esse nome em voz alta. – conseguiu dizer,
finalmente, cumprimentando Bia e depois Débora com um abraço desajeitado. –
Oi.
Pronto, ele tinha entrado no
personagem. Seus amigos nunca descobririam, mas André havia passado a última
semana preso a um importante dilema: qual personalidade assumir quando o
momento de encarar seus amigos de longa data chegasse? Ele não achava que se
sentiria à vontade o suficiente para agir com a acidez e o sarcasmo que a
intimidade online lhe proporcionava. Mas também não tinha certeza se fazer o
garoto educado e tímido funcionaria tão naturalmente assim. Afinal, eram quatro
anos de amizade. De qualquer forma ele sabia que só descobriria a resposta
quando tivesse, de fato, que proferir as primeiras palavras. Agora ele estava
um pouco aliviado por poder manter a máscara.
– Ah, até parece que você vai ficar
me chamando de “Débora”. – falou “Débora”, com desprezo. – E por que você e o
Creito não se cumprimentaram?
Pelo menos alguém ali continuava a
mesma. Por algum motivo, André sabia que a falta de tato era uma característica
presente na Débora de todas as realidades. Levantou a mão para fazer um aceno
para Klayton, mas era difícil imaginá-lo cumprimentando alguém sem um emoticon
de XD flutuando ao lado da sua
cabeça.
– Fala, cara! – Klayton exclamou,
para sua surpresa, enquanto arremessava o ombro em sua direção para um
cumprimento de “caras”. – A gente achou que seu ônibus tivesse capotado ou
coisa do tipo.
– É, acho que as transportadoras de
ursos polares são um pouco mais eficientes do que suas empresas de ônibus
tradicionais.
Bia e Klayton riram, mas Débora
revirou os olhos.
– Ei, falando nisso, vamos tirar uma
foto! – Bia exclamou, já com o celular em mãos e a câmera frontal ligada.
Klayton colocou o braço por cima do
ombro de André e Débora o abraçou pelo outro lado, como se acreditassem que ele
fugiria se não o imobilizassem. Bia não era nada alta, mas conseguiu enquadrar
todos atrás de si. Enquanto o contador da câmera fazia a contagem regressiva,
André pode ver no canto inferior da tela as dezenas de fotos já tiradas pelo
trio. Débora havia chegado na noite anterior e os três pareciam ter se
divertido um bocado desde então.
– Pronto, nossa primeira foto
juntos! – comemorou Bia. – E a primeira
do André em dez anos!
– Muito engraçado. – ele respondeu,
mesmo sendo verdade que já fazia alguns anos desde que ele começara a usar a foto
de um urso polar como avatar.
– A gente pode voltar agora? São onze e meia
da noite. – gemeu Débora.
– Sim, vam’bora! – Bia exclamou, pegando
a mochila de André e colocando em seus próprios ombros.
Quando estavam subindo a rampa
íngreme que levava ao estacionamento, André viu Klayton alcançar Bia e
perguntar se ela queria que ele levasse a mochila. Bia fez que não com a
cabeça, mas era evidente que estava mais pesado do que uma menina de um metro e
meio conseguia carregar. André olhou para Débora e tentou pensar em uma piada,
mas algo no olhar da amiga o impediu. Que
seja, nada mais justo do que deixá-la levar um peso que ela própria o obrigara
a carregar, em primeiro lugar.
"Conseguiu distinguir um rapaz oriental, mas isso não queria dizer muita coisa, uma vez que asiáticos são todos parecidos" "Ou talvez não, ele era japonês, não dava para saber o que de fato estava sentindo" UASUASUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSAS
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