sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

PARTE IV



IV
CARRO, PALPAÇÃO RETAL, CONEXÕES

            O carro da Bia era um Uno Mille vermelho sujo de barro seco de cima até embaixo. Claro, o carro de uma estudante de agrárias. André ainda se lembrava de todas aquelas histórias sobre aulas de campo no meio do nada, estradas poeirentas e  galochas desconfortáveis. Nada superava o desconforto, entretanto, de ter que enfiar a mão no reto de um animal fedorento e furioso e depois voltar para casa com estrume no cabelo. Ou pelo menos era o que Bia dizia. Aquelas luvas nunca pareciam tão impermeáveis quanto prometiam na embalagem.
            - Quem vai na frente? – Klayton perguntou, apesar de já ter aberto a porta do passageiro.
            - O Andy, né. – respondeu Débora, dispensando a interrogação que a sentença requeriria.
            - Não, deixa o André ir atrás. – falou Bia, fechando o porta-malas. – Assim vocês podem ir conversando de boa. O Creito já está acostumado a vir comigo.
            E assim foi feito. André montou no banco de trás – e montou é a palavra certa, levando-se em conta o seu cuidado de não sujar de terra a única calça jeans que trouxera consigo – junto com Débora, enquanto Klayton ocupava seu costumeiro lugar de co-piloto, parecendo muito satisfeito ao fazê-lo. Klayton, assim como Bia, morava em Jaboticabal como estudante e cursava medicina veterinária na UNESP. Inicialmente, os dois eram da mesma turma, mas Klayton acabou reprovando alguns semestres. Tudo o que André sabia é que o rapaz era muito inteligente e possuía um raciocínio lógico-matemático impressionante – claro, o estereótipo do japonês precisava ser mantido de alguma forma -, mas tinha certa dificuldade em lidar com... pressão. Seja lá o que isso significasse. Não se fala muito sobre os fracassos acadêmicos de um amigo virtual quando se pode elogiar suas habilidades sobre-humanas com video game. Bia, por outro lado, nunca havia tido problemas em compartilhar informações pessoais sobre seus amigos uns com os outros, o que possibilitou a formação de sua curiosa rede de amizades. Para falar a verdade, Bia parecia adorar “compartilhar amigos”.
            - André, você já jantou? – Bia perguntou.
            - Não. – ele respondeu, não sem antes refletir sobre as consequências dessa resposta. – Mas não estou com fome.
            - É, mas nós estamos. O que você quer comer?
            - Espera, vocês estão sem comer até agora?!
            - Eu falei que ele não ia querer comer... – Débora resmungou.
            - Não, você falou que ele já ia ter comido. – Bia respondeu.
            - Não, sério, por que vocês ainda não jantaram?!
            - A gente estava te esperando, óbvio! – Bia tirava os olhos perigosamente da direção. – Vai, escolhe logo, antes que a gente se afaste muito do centro da cidade.
            - É quase meia-noite!
            - Foi o que eu disse. – Débora continuou resmungando, parecendo mais propensa a culpá-lo pela demora do que partindo em sua defesa. - “Ele vai chegar depois das onze e meia, a gente vai ficar sem comer até lá?!”, mas ninguém me escuta.
            - Já sei! Vamos comer no McDonalds! – Bia sugeriu, finalmente.
            - É. Quase. Meia. Noite.
            - Você não tinha dito que o McDonalds daqui não é 24 horas? – Débora perguntou.
            - E não é. Creito, pega meu celular e liga para a Tilápia, por favor.
            Aparentemente, ter apelidos ridículos não era privilégio dos amigos da Beatriz. Aquela era uma tradição seguida por todos os habitantes de Jaboticabal que tivessem alguma ligação com a universidade. E, aparentemente, a tal de Tilápia, além de ser amiga da Bia e ter um apelido ridículo, também era namorada do gerente do McDonalds Jaboticabal, recém-inaugurado havia cerca de dois meses. E, aparentemente, era costume no interior prolongar o horário de fechamento de um estabelecimento comercial ao bel prazer dos frequentadores, desde que os funcionários estivessem de acordo em ficar mais algumas horinhas jogando conversa fora e consumindo bebidas alcóolicas.
            - Beleza, ainda tem gente lá! – Bia comemorou. – E é gente que eu conheço! Que bom, vocês vão poder conhecer meus amigos antes do que eu imaginava!

2 comentários:

  1. "CARRO, PALPAÇÃO RETAL, CONEXÕES" Melhor título já criado

    "o rapaz era muito inteligente e possuía um raciocínio lógico-matemático impressionante – claro, o estereótipo do japonês precisava ser mantido de alguma forma" UASUASHUAHS eu to me divertindo tanto com esses comentários que vc não tem noção

    "Bia parecia adorar “compartilhar amigos”." - Já sei! Vamos comer no McDonalds! – Bia sugeriu, finalmente." Acho que somos mesmo mais parecidass do que eu penso UAHSUHASUHAUAHs

    "- Eu falei que ele não ia querer comer... – Débora resmungou" "- Foi o que eu disse. – Débora continuou resmungando, parecendo mais propensa a culpá-lo pela demora do que partindo em sua defesa. - “Ele vai chegar depois das onze e meia, a gente vai ficar sem comer até lá?!”, mas ninguém me escuta." A Débora me lembra tanto uma amiga minha UHASUHAs é até engraçado, porque eu imagino essa amiga falando ao invés de pensar em uma personagem, de fato.

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    1. AHSUHASUHAS Confesso que eu ri muito dessas piadinhas com japonês, principalmente porque eu sempre as odiei, mas acabei descobrindo que é bem divertido fazê-las hihi

      Está meio monótono agora, mas se eu conseguir levar a cabo, a história vai tomar um rumo completamente diferente!

      Ah, só pra lembrar que o que acontecer aí é apenas baseado em fatos reais, etc, tô fazendo bastante uso de "licença poética" rsrs

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